domingo, 31 de julho de 2011

Ser professor



Estava um lindo dia de sol, as andorinhas dançavam em torno das cúpulas das árvores, um outro tipo de pássaros trauteavam um canção que ainda hoje consigo recordar – doce, quase que nos levava a um outro mundo, bem distante daquele a que estamos habituados – as borboletas oscilavam levemente as suas leves asas que formavam todas juntas uma corrente colorida num ciclo em constante movimento, rodeando as flores nascidas nos campos primaveris. Era Primavera! Ao longe, o lago parecia criar um ambiente ainda mais acolhedor, o que ajudava em certa medida, a dar vida àquele local, transparecendo toda a beleza e tranquilidade aí instituída.
Num outro lugar, não muito distante dali, nutriam-se sentimentos opostos, muito divergentes dos anteriores, nestes incluíam-se a revolta, a recusa, o abandono, o sofrimento… contrastes… ambientes tão próximos, no entanto tão distantes…
Solange, era um pequenino sol, que raramente irradiava, devido a alguns motivos. Solange talvez nunca tivera a oportunidade de brilhar, houvera demasiadas nuvens à sua volta que se preocupavam em ocultar o seu verdadeiro brilho. Um dia, este pequenino Sol chegou perto de mim, senti que havia entre nós uma ligação, a qual não podia de forma alguma negar. Mesmo com a imensidão das nuvens, o pequeno Sol, surgiu de entre estas e irradiou-me com o seu olhar, desde o primeiro momento em que nos observámos.
À primeira vista, aquele pequenino ser, parecia tão frágil, mas simultaneamente tão hábil no que toca à repetição de acções… já avisada dos progressos, ou melhor dos não progressos que o pequeno Sol fazia ou não fazia, tentei ignorá-los. Tentei ser eu a descobri-los. O tempo foi avançando, o pequeno Sol, começava agora a tornar-se mais hábil e a cativar-me cada vez mais a cada dia que surgia, ou a cada acto que cometia.
Cada manhã, a primeira coisa que fazia era tentar encontrar o meu brilhozinho amarelo preferido. E foi assim que tudo começou, eu e o minúsculo Sol vivíamos cada dia à nossa maneira. Sim, porque havia uma maneira só Nossa de presenciar os acontecimentos.
Um novo dia, vinha cheio de expectativas, cheio de ambições, que com o tempo acabavam por continuar ainda por concretizar, talvez pelo motivo de eu não querer desistir. Havia assim, dias frustrantes, em que tudo o que já tínhamos aprendido ficava para trás, não existindo assim um passado que influenciasse o presente ou futuro.
Várias vezes dei por mim a divagar, a tentar encontrar respostas para aqueles dias de extremo sucesso, porém nenhuma resposta obtive. Várias foram as pessoas que me referiram que não iam haver progressos, tal como várias vezes lhes respondi sempre afirmativamente, ainda que por vezes já não acreditasse nisso absolutamente: haverá sempre progressos, cada dia é um dia e há que lutar. Embora por vezes eu não acreditasse de todo nas palavras que acabara de proferir, aquele brilho fazia-me percorrer todos os caminhos para encontrar as minhas respostas.
O tempo começou a escassear, a ideia de deixar aquele Sol, perturbava-me, fazia com que todos os dias pensasse no seu brilho e de como este iria reflectir a partir do momento em que já não estivesse presente… mas é assim, a vida tem que continuar e eu não podia prender aquele Sol a mim para sempre, eu sabia, embora o tivesse negado sempre, que iria chegar o momento da despedida.
Chegado o dia, o nervosismo aumentou, todas as pequenas nuvens se despediram de mim, excepto o Sol. Isto inquietou-me e levou-me a crer que o meu trabalho não tinha significado nada para si, todavia, mais tarde levou-me a acreditar que a despedida não tivesse sido fácil para o “meu” Brilhozinho e talvez fosse por isso o motivo da não aproximação.
O pequeno Sol, sempre estivera habituado à entrada e saída de pessoas na sua vida, por isso, não lhe era estranho que tal acontecesse. Uns dias depois disse-me: sabes, gostei de te conhecer, foste a única que me deu ouvidos, lá em casa ninguém me ouve, todos fingem que não existo”. Neste momento, as lágrimas começaram a percorrer o meu rosto, embora eu tivesse tentado segurá-las. Dei-lhe um enorme abraço, o qual ela me recompensou com uma flor que houvera colhido no intervalo.
A partir deste dia, ficámos cúmplices e ainda hoje guardo as suas palavras. Saudades? Sim, há, mas é disto que é feito o nosso dia-a-dia, porque ser professor é mesmo assim, é deixá-los partir no momento certo, ainda que por vezes achemos que não é a altura ideal e que os queremos um pouquinho mais junto a nós…

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

uma história de dois pequenos e quiçá grandes escritores...

Eis o exemplo de uma história inacabada, enfim acordos entre escritores:
    Estava sentada num banco em frente à plataforma. Ou estaria em casa? Ele dissera que chegaria hoje, por isso ela estava à sua espera. Só não se lembrava onde. Decidira ficar em casa, esperando ansiosa pelo seu regresso, alisando as pregas do vestido sempre que passava em frente ao espelho ou decidira fazer-lhe uma surpresa e esperar por ele na estação? Não importa.Se isso não importava, então o que importa? Olhou para o relógio que pendia da parede e viu que faltavam cerca de dez minutos. Começavam a juntar-se cada vez mais pessoas junto dela, aproximando-se da linha para verem melhor a chegada do comboio, mas em casa ela estava sozinha. Não se podia distrair a observar as pessoas que passavam nem as formas engraçadas das nuvens. Em casa, andava de um lado para o outro, parando ocasionalmente para dar uma olhadela ao relógio. Eram quase três horas.
   Saiu de casa apressadamente, e num passo largo começou a caminhar para a estação. Quando lá chegou soltou um bocejo de contentamento, pois tinha tido a coragem de ir até lá. Olhou os comboios, seguia-os atentamente com o seu olhar, deste o momento em que os avistava até à sua paragem. Correu na direcção de um, na esperança de encontrá-lo… limitou-se a aguardar enquanto as pessoas saiam, e, a tentar reconhece-lo no meio de muitos outros. O comboio havia já esvaziado, ela sabia disso, porém, tentava desesperadamente encontrar outra porta que não tivesse visto. Tentava encontrar uma explicação para o que estava a acontecer. Sentou-se, distraiu-se por meros instantes, olhou o céu, olhou o relógio de pulso e já tinham passado duas horas.

Vital e Matos

O Miguel

Miguel estava sentado por baixo de um guarda-sol, levava constantemente um pé à boca, como se as suas reacções primárias não tivessem sido desenvolvidas normalmente.
Por mais que tentasse comunicar, essas tentativas falhavam por completo, notava-se então que Miguel tinha um atraso cognitivo: os seus olhos não paravam quietos, bem como o resto do seu corpo; mexia-se em todas as direcções, em direcção a algo que ninguém conseguia ver, algo que provavelmente existiria apenas, e só na sua cabeça, na sua mente. Mas porque estaria Miguel fora do alcance de todos os outros? Provavelmente porque sentiam desprezo. Como pode alguém viver assim?
Miguel parecia ficar desperto enquanto observava os chapéus de praia que balançavam ao sabor do vento. Mas havia algo que lhe chamava profundamente a atenção, havia algo simples, que aos olhos de outros não parecia ser realmente importante, tanto que era transparente…
Poderia Miguel estar a sonhar? Intrigava-me bastante, tentava perceber em que direcção o seu sorriso era direccionado, constatei que a nada, ele, simplesmente, sorria.
Milhares de perguntas apoderavam-se da minha cabeça, ouvia o meu interior a perguntar sobre tudo (os porquês, os comos…).
O único motivo que encontrei  foi o de sermos únicos mesmo que simultaneamente iguais. Haveria então um motivo para o Miguel ser assim, mas qual?
Para Miguel, ver o sol a brilhar era uma tremenda alegria, ver os guarda-sol a baloiçar outra, ver o azul do céu a encontrar-se no infinito com o azul do mar dava-lhe prazer, tanto que era para lá que ele olhava mais vezes, segundo o que eu observava…
Miguel centrava-se no seu corpo, sem dificuldades algumas, descoordenadamente, dirigia (com ajuda dos braços) os pés à boca; emitia pequenos gemidos, como se tivesse a chamar alguém, porém, ninguém parecia ouvi-lo, ou então, fingiam não ouvi-lo…
Porque somos tão diferentes? Interrogava-me e não chegava a nenhuma conclusão, a única conclusão à qual cheguei, quer queiramos quer não, a vida apresenta-nos contrapartidas às quais nada podemos fazer, apenas aceitá-las e vivê-las.  Miguel, era assim uma dessas contrapartidas, aos olhos daqueles que o rodeavam. Ele apenas queria um olhar, bastava que olhassem para si… tanto que gemia constantemente, para chamar a atenção. Miguel após tanto esforço não recompensado, acabou por desistir e voltou a centrar-se no seu próprio corpo.
Apesar, de ninguém olhar para o menino de olhos azuis, ele não desfazia o seu sorriso, nem tão pouco desistia dos seus objectivos, tentava, e voltava a tentar que interagissem com ele.
Ainda hoje, sentada no meu sofá não consigo esquecer o Miguel, os gestos e as atitudes que ele tinha. Recordo ainda, como se fosse hoje, os seus olhos azulados que se dirigiam em direcção ao mar e seguiam cada onda a desenrolar na areia enquanto brilhavam cada vez com mais intensidade.
Existem pessoas especiais, Miguel é uma delas, provavelmente, ou melhor, de certeza que não o irei encontrar mais na minha vida, todavia, posso afirmar, que o episódio do menino dos olhos azuis foi algo que me marcou e que me vai acompanhar em toda a minha caminhada.
Outros Migueis virão, e deixarão marca, porque afinal é disso que é feito o nosso dia-a-dia. As pessoas vão e vêm como as ondas do mar, mas deixam sempre a sua pegada na nossa areia (cabeça), seja ela boa ou má.

Neste texto é Miguel quem nos ensina a sorrir...